Notícia

Um discurso de casamento

Há que se falar sobre o amor em casamentos, sim! Mas não sobre aquele amor reduzido a um par de alianças, vestidos e grinaldas ou decorados votos matrimoniais. Este amor, além de piegas e previsível, é também perecível e lugar comum para qualquer amante.

Palavras bonitas, presentes e carinhos são necessários para manterem alinhadas as pessoas que se amam. Mas nada disso sequer se aproxima da verdadeira natureza do amor. Com toda a sua força e ímpeto de luz, o amor original, o literalmente “amor” é aquilo que nos transforma a tal ponto que nos faz enxergar no outro não a parte que nos falta, e sim o quanto do outro habita em nós.

E casar-se por amor, este mesmo que transborda oceanos e bombardeia cometas no céu do nosso peito, nos faz perceber que somos felizes não apenas por sermos amados, mas também por sabermos que amar alguém é sentir-se completo por inteiro.

Contudo, por mais visceral e vertiginoso que seja esse amor de paixão ardente e coração pulsante, mais cedo ou mais tarde – se for mesmo para ser AMOR – ele revelar-se-á com todo o seu peso e tramas de difícil compreensão. É o amor dos maduros, o que vem depois dos prazeres, o que dura depois dos deveres. É o amor cheio de espinhos e amarras que requer perícia para manuseá-lo. O amor que fere se mal compreendido pelos mais sensíveis, mas que também é capaz de abrandar a brutalidade dos que se acham invencíveis. Um tipo de amor que nos faz realmente mais humanos.

E este não é o amor dos versos de poetas, o amor das frases feitas ou o amor cantado nas mais belas canções. Não. Todos esses são falsos – ou não são inteiramente reais. Amor, amor de verdade não é aquele dos roteiros românticos de cinema ou enredos dos clássicos literários.

O amor que sobrevive a tormentas e naufrágios da rotina é o que nos faz mais fortes diante do mundo e das adversidades da vida. O amor do cotidiano, edificado dia após dia, é o que nos impulsiona para o alto e nos faz perceber melhor quem somos, com nossas fragilidades e limitações, mas também com nossas virtudes e coragem. Só esse amor de verdade é capaz de nos tornar humildes para percebermos que do outro aprendemos mais do que ensinamos. Pois amor é lição de vida. E amar é praticar o que foi aprendido.

Por isso, no casamento – não apenas hoje, mas para todo o sempre – façamos do amor a nossa prece diária e de todo “eu te amo” o mesmo gesto quando se diz “amém”. Porque o amor, muito mais que um afeto, é um ato de gratidão. A mais religiosa forma que temos de demonstrar ao outro o quanto somos melhores com sua existência.

 

Por Farley Rocha

*Farley Rocha, nascido em 1982, é mineiro da cidade de Espera Feliz. Professor de Língua Portuguesa e Literatura, já publicou dois livros de poesia, Mariposas ao Redor (2011) e Livre Livro Leve (2015). É colunista do Portal Espera Feliz desde 2010, onde publica crônicas sobre sua cidade e a região da Serra do Caparaó.