Notícia

No quintal de casa

Há nove anos vivo em apartamento. Por isso,é inevitável não pensar nas casas onde já morei – não pelos imóveis em si, mas pelas lembranças dos quintais onde brinquei e cresci.

Pois o quintal de uma casa, ao contrário do que aparenta, é um ambiente tão importante quanto o é um quarto, uma sala ou um banheiro. Uma varanda também tem o seu valor, mas por maior e mais aconchegante que ela seja, ainda que tenha banquinhos de estofado, ganchos para rede e mesões de madeira para os almoços de domingo, nem se compara à simpatia que envolve um belo e útil quintal.

É que na varanda, o máximo de folhagens que se tem são begônias dependuradas no teto ou samambaia sem baluartes de vergalhão. Já no quintal, há espaço não só para uma hortinha de salsa e manjericão, como também se pode ter jardins e gangorras, pés de manga, laranja e jabuticaba ou até mesmo uma palmeira imperial com cinco metros de imponência e encanto.

 

quintal

A área de um quintal, mesmo que modesto, significa ter um pedaço de natureza dentro dos domínios da própria casa, onde caramujos, joaninhas, borboletas e tanajuras convivem em harmonia com o cachorro de estimação que cochila à sombra da parreira de chuchu.

Além desses insetos domésticos, é também no quintal que uma distinta fauna urbana encontra refúgio, quando canários, rolinhas, coleiros e outros passarinhos vêm para catar as miúdas sementes daquelas ervas sem nome que nascem à beira da cerca ou junto ao musgo da umidade do muro. Assim, não só realçam com suas penas as cores dos fundos da casa como também preenchem os ares com suas serenatas.

Sem menosprezar as vantagens de um bom apartamento, sua comodidade não está à altura das mil serventias que oferece um bom e admirável quintal. Neste, o mesmo espaço onde se estende roupas no varal e se cultiva vegetais frescos para as refeições, a criação dos filhos torna-se mais segura e saudável, além de ser também um recinto mais lúdico para eles, pois ali as crianças podem construir castelos de barro e cidades de mentirinha, festejar aniversários e fantasiar universos inteiros, tudo ao alcance do olhar atento e cauteloso dos pais. No quintal da casa onde cresci no Bairro João do Roque, por exemplo, tinha uma goiabeira que meu pai plantou em 1989 – era minha nave espacial que me levava para planetas que eu nem sonhava que existiam.

No fundo, penso que o quintal de casa é o que temos de mais próximo da nossa origem primitiva. Seu espaço descoberto e sem piso de concreto, os matinhos orvalha dose o efeito granulado ao se pisar descalço no chão de terra, o verde das plantas e os aromas do solo com húmus das minhocas e folhas em decomposição, de certa forma, remetem-nos à versão mais pré-histórica de nossa existência, quando morávamos em cavernas e tínhamos tempo para contemplar as maravilhas do mundo em que habitamos. Acho que vem daí nosso ingênuo e ancestral fascínio pelos quintais onde muitos de nós – se não mais – já vivemos um dia.

Hoje, por morar num quarto andar na região central de Espera Feliz, possuo apenas um terraço para me lembrar a época de criança. Porém, embora me encha os olhos a vista que tenho da Igreja Matriz e da montanha da Torre bem à frente, minha nave espacial imaginária permanece apenas na memória daquela antiga goiabeira que não existe mais, num tempo em que tive o privilégio de morar em uma casa onde os passarinhos, os galos, as borboletas e eu dividíamos o mesmo espaço no distante e inesquecível quintal da minha infância.

 

Por Farley Rocha

*Farley Rocha, nascido em 1982, é mineiro da cidade de Espera Feliz. Professor de Língua Portuguesa e Literatura, já publicou dois livros de poesia, Mariposas ao Redor (2011) e Livre Livro Leve (2015). É colunista do Portal Espera Feliz desde 2010, onde publica crônicas sobre sua cidade e a região da Serra do Caparaó.