Notícia

Livros da minha vida

Dizem que somos resultado de todas as experiências que vivemos. As informações que adquirimos, as amizades que cultivamos, os lugares que conhecemos, os filmes que já vimos, as músicas que gostamos, tudo isso faz parte da paleta de cores que desenham nossa personalidade e definem os valores da pessoa que habita em nós.

Desta lista de infinitas possibilidades, destaco um item que, no meu caso, foi determinante para moldar minha percepção de mundo e minha forma de interagir com quase tudo ao redor: os livros que li.

Confesso que nem foram tantos quanto poderia ou gostaria de ter lido, mas dos que já tive o prazer de folhear, alguns me deixaram marcas tão profundas na alma que fiz deles não apenas objeto da minha profissão, mas um verdadeiro instrumento para compreender a vida e sentir-me como parte dela – porque, como bem sabem os autores de ficção, metade do que somos é realidade, e a outra metade é fantasia.

Por isso, para fins de meras indicações pessoais e troca de experiências literárias, anoto abaixo alguns poucos exemplares do modesto acervo que povoa de palavras a imaginação deste cronista:

Aos sete anos de idade li um livro cujo título (infelizmente) já se desbotou da minha memória. Todo ilustrado e colorido como são os livros infantis, este contava a história de um mágico que sonhava conhecer as estrelas. Um dia, com sua varinha encantada construiu um enorme arco-íris pelo qual subiu a caminho do céu. Assim, pôde ver de perto não só as estrelas, mas também os planetas, as nebulosas, os buracos negros e as galáxias mais distantes. Foi a primeira vez que senti o poder das palavras transportando-me para as dimensões do universo que, antes, não passava para mim do tamanho de uma bola de gude.

Aos dez anos li O Mistério da Estrela Cadente. Diferente do primeiro, este é uma ficção científica infanto-juvenil que narra a história de primos e primas que vão passar férias na fazenda da avó e viver aventuras que a roça sempre oferece para quem vem da cidade. Uma noite, enquanto estão reunidos em volta da fogueira, uma estrela cadente é vista caindo na mata despertando a curiosidade de todos. Acabam descobrindo depois que se tratava de um disco voador. Foi a primeira vez que, através das palavras, pude sentir o espanto que somente boas histórias conseguem proporcionar.

Aos dezoito li Do Amor, do Blues e de Algo Mais, um livro de publicação independente de um poeta capixaba chamado Marcos de Castro que, pela casualidade nada casual do destino, chegou em minhas mãos e me contaminou para sempre com o vírus da poesia. Foi a primeira vez que pude sentir a vida só de tocar na superfície dos versos.

Depois disso, já cursando a faculdade de Letras, no dia em que completava dezenove anos ganhei de presente de uma amiga outro livro de poesias intitulado Na Ante-sala da Fala, à época recém-lançado por um desses fenômenos anônimos chamado Guerá Fernandes, da cidade mineira de Durandé. Este poeta, através de sua obra, haveria de exercer uma profunda influência na minha maneira de enxergar as coisas. Foi a primeira vez que senti o peso e a leveza do mundo ao tentar escrever meus poemas e minhas ingênuas historinhas.

Aos vinte e dois anos li O Pequeno Príncipe, personagem que já conhecia da infância de suas versões adaptadas para desenho animado. Desde à simplicidade do enredo à delicadeza da linguagem, lepetitprince me encantou não apenas pelas lições que geralmente há nas entrelinhas das fábulas, mas principalmente pelo senso de humanidade que Exupéry imprimiu ao escrever a história. Foi a primeira vez que experimentei a saudade por alguém fictício quando terminei a leitura.

Aos trinta anos li Cem Anos de Solidão, obra-prima do escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez. Como o título sugere, são narrados os cem anos da história da aldeia imaginária de Macondo, desde sua fundação até à última das sete gerações da família Buendía. De um jeito cativante e envolvente, através de suas quase quatrocentas páginas Garcia Márquez consegue nos fazer vivenciar episódios que vão do drama à comédia, da aventura à poesia, entrelaçando passagens reais do complexo processo histórico da América Latina ao seu universo particular repleto de seres fantásticos, tapetes voadores e alquimistas. Foi a primeira vez que me vi refletido nas palavras escritas – porque, como já disse um pouco acima, somos feitos de realidade e fantasia.

Há outros – muitos outros – títulos que, por falta de espaço, não puderam entrar nesta lista. Mas assim como a música e o cinema são capazes de transformar nossa rotina, a cada livro que lemos – seja prosa ou verso, romance ou épico – podemos experimentar uma sensação nova, como se descobríssemos pela primeira vez algo surpreendente a respeito da vida e do universo que nos cerca.

 

Por Farley Rocha

*Farley Rocha, nascido em 1982, é mineiro da cidade de Espera Feliz. Professor de Língua Portuguesa e Literatura, já publicou dois livros de poesia, Mariposas ao Redor (2011) e Livre Livro Leve (2015). É colunista do Portal Espera Feliz desde 2010, onde publica crônicas sobre sua cidade e a região da Serra do Caparaó.