Notícia

Depois da chuva

Depois da chuva, quando sinais da tormenta diluviana não passarem de um fiapo orvalhado baixando sobre a cidade, o mundo enfim estará lavado de seus desmazelos e temores, sugados junto a enxurrada pela goela dos bueiros. Então, teremos a sensação de que por trás das nuvens dissipadas, o sol festejará de cima seus luminosos vestígios de alegria.

Depois da chuva, quando a ventania não passar de uma suave brisa roçando a copa das árvores, parabólicas e telhados, todas as crianças sairão para brincar descalças sobre as poças e riscarão na lama acumulada nas calçadas jogos de amarelinha na tarde recém-matizada de azul. Barquinhos de papel serão vistos velejando avenidas e acostamentos.

Depois da chuva, quando abrirem as janelas das casas e as flores dos quintais retomarem a fotossíntese de suas pétalas, senhoras guardarão suas sombrinhas atrás da porta e sairão para passear na companhia de seus poodles – que deixarão para trás um rastro de patinhas carimbadas sobre o barro. Senhores retornarão às barbearias e sapatarias de costume para contarem suas velhas histórias repetidas, como se fossem inéditas.

Depois da chuva, quando o rio se reintegrar à geografia sob as pontes e os peixes se acomodarem sonsos pelas margens, tanajuras, borboletas e pardais povoarão os ares entre as gotículas microscópicas a que se reduzirá a tempestade. Acima de nós, um prisma convexo se formará sobre a cidade pela refração abobadada de um arco-íris.

Um arco-íris que, depois da chuva, parecerá um enorme sorriso escancarado bem no meio do céu da tarde. E só isso nos será motivo suficiente para que saiamos juntos caminhando por aí, de mãos dadas, depois da chuva.

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Por Farley Rocha

*Farley Rocha, nascido em 1982, é mineiro da cidade de Espera Feliz. Professor de Língua Portuguesa e Literatura, já publicou dois livros de poesia, Mariposas ao Redor (2011) e Livre Livro Leve (2015). É colunista do Portal Espera Feliz desde 2010, onde publica crônicas sobre sua cidade e a região da Serra do Caparaó.